terça-feira, 8 de julho de 2014



SABOR E SABER
A primeira vez que entrei na escola, puxado pelo pesado braço da minha mãe, o fiz fora da cadência da vida. O coração, regente da percussão orgânica, ficara dentro da rede, lugar de confidências e de lágrimas. Inútil dizer que não estava com medo.
Olhar parado, mãos tremendo, passos vacilantes como quem vai para o cárcere, teria que enfrentar a maior de todas as experiências humanas, o saber.
A situação se agravou ainda mais quando minha mãe autorizou a professora a castigar-me, caso eu ousasse desobedecê-la. Naquele instante, desejei ser filho daquela estranha, assim, talvez ela me protegesse.
Naqueles idos dias da minha infância, quando a minha curiosidade firmava-se orientada por outra escola, a da fantasia, a ânsia pela busca do conhecimento estava cheio de mágicas, e nenhum herói era mais potente que eu mesmo.
Mas aquele primeiro dia aparentava ser terrivelmente ameaçador aos meus valores de então. Decepcionei-me. Pensei que a escola os fortaleceria e os senti frágeis diante do apagador da professora.
Naquela manhã eu não consegui ver o lado iluminado da escola. Tudo vem de Deus, portanto, tudo tem um lado iluminado. Mas em se tratando de escola, qual?
Minha cabeça procurava respostas para acalmar-se, indecisa na luta entre a dificuldade e o desânimo, disputa frequente a ocupar largo espaço no coração humano, ainda longe de acreditar que o amor tem como parte, a aceitação das diferenças do todo.
Permiti a canga, não como animal dócil, posto que os coices não faltaram. E fui calvário abaixo, sendo tratado como alguém sem vontade própria, com interesses a serem determinados pela professora.
Fui considerado uma fita a ser gravada, como se não tivesse vivido nenhum melodrama. Tentaram fazer de mim um eficiente repetidor de conceitos. Uma segunda Santana, velha beata que não rezava, mas dizia amém no final das ladainhas.
Mostraram-me um mundo departamentado, com cercados, tronos e arados. Poesia de um lado, ciência de outro, filosofia acima, religião abaixo, risada lá fora, traquinagem no cofre, aqueles dias foram de funerais, posto que a criatividade e o bom humor, marcas fortes de minha alma, estavam catalépticos.
Dia onde a escola tinha mais sofrimento que beleza em seu espaço fim, quando deveria ser espaço meio. Tempo de mordaça na boca de estudante, onde saber e sabor não possuíam as mesmas raízes, onde criança era vista como adulto ainda não crescido.
Pois bem! O sol fora da classe estava cheio de convites suaves contrastando com o chumbo que parecia contaminar o relógio da sala. Tensão em alta, ansiedade trasbordando pelos poros, segurei o lápis para os primeiros rabiscos.
A angústia não me permitia traçar retas, e os riscados pareciam feitos pelas mãos do “seu Gino”, que nunca paravam de tremer por causa do “mal de Parkinson”.
Tentei fazer uma letra parecida com a cangalha que Ataíde colocava pela manhã no lombo do seu burro para ir buscar o capim elefante para o gado. O suor colava à testa meus cabelos, que naquele tempo tinham o escuro do anu.
A boca, faltando o incisivo central quebrado na queda do cajueiro, estava ressequida. A professora entendeu a minha asfixia, que não era diferente de outras ali presentes. Acercou-se de mim com ares de madona e perguntou: quer ir beber água?
E foi assim a minha primeira fuga da sala de aula. O início da guerra para tentar conciliar saber e sabor naquela insípida manhã de março.

Luiz Gonzaga Pinheiro
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As rotinas e as parafernalhas diárias que acumulamos não devem deixar que nossas imaginações capenguem. Colecionamos cargas que impedem nossas mentes de ir mais além. Devemos sempre alçar voos cada vez mais singulares para nós próprios.
A providência Divina nos pergunta: que ir beber água? Água da vida, água do amor que liberta, água que nos sacia de forma brilhante. Mas nos negamos preferimos nos ater aos verbos corretos e contas exatas, quando na verdade poesia, filosofia, ciência e religião nunca se dividirão, pelo contrário se misturam de forma bela e sólida. O linear nos tolhe e o atemporal sempre liberta.
Oremos para que os sistemas educativos sejam revistos. Não mais baseando-nos em números, mas vibrando em letras, músicas e cadenciando este incrível mar de descobertas que fazemos interna e externamente.
Somos herdeiros universais, mas ainda pequenos na compreensão do que seja tal. Estamos na escola Terra que convida-nos a libertar-nos dos misticismos que criamos. Temos capacidade de vislumbrar o caminho, resta-nos coragem.

LG

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